Rua Jardim Botânico
Em 1577, surgiu o primeiro caminho que, cruzando as terras do atual bairro de Botafogo, ligava o centro da cidade ao Engenho D’El Rei, (antigo Engenho N. Sra. da Conceição da Lagoa ). Até o século XIX, seguia-se até a Peaçaba (hoje Igreja Sta. Margarida Maria), onde utilizando-se um ancoradouro que havia às margens da lagoa, tomava-se uma pequena embarcação ou canoa, para se chegar ao engenho e às praias dos atuais bairros de Ipanema e Leblon. Quem optasse por continuar o caminho a cavalo, da Peaçaba pegava-se a estrada – Caminho da Gávea – aberta entre a lagoa e a encosta do Corcovado (1*).
As margens da lagoa, conhecida pelos índios como Sacopenapan, eram terras férteis, propícias para o plantio de cana-de-açuçar, uma das monoculturas essenciais no período em tela, fazendo com que uma ocupação populacional lenta e gradativa fosse se expandindo. Essas terras foram, em torno de 1660, adquiridas por João de Freitas Mello e Castro que, ao retornar a Portugal legou-as a seu filho Rodrigo de Freitas Mello e Castro , permanecendo em poder da mesma família até 1808, quando da chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro.
O antigo caminho aberto no século XVI, atual rua Jardim Botânico, nos séculos XVII e início do XVIII, já bordejava importantes chácaras e casas de campo para onde afluíam muitos cidadãos ricos, que passavam meses e até estações inteiras, desfrutando o ar saudável e aprazível do local e em consequência disso, com o tempo, o caminho foi sendo alargado, tornando-se uma estrada carroçável.
Em 1808, com a criação do Horto Real, atual Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a estrada foi alargada e nela passaram a circular, além de cavalos, bondes e veículos particulares movidos à tração de animais, os hipomóveis (carruagens, tilboris, vitórias, charretes). As linhas de bondes puxados a burros passaram a vir até o Jardim Botânico em 1862, por iniciativa do Barão de Mauá, que organizou a Companhia de Carris de Ferro Jardim Botânico. Em 1871 essa linha se estendeu e foi até a Gávea, na altura do Solar Grandjean de Montigny, facilitando assim não apenas a visitação ao Real Jardim Botânico, como a expansão urbana para os bairros que nasciam. Os bondes elétricos com o carro de nº 104 da Cia. Ferro-Carril do Jardim Botânico, iniciaram seus serviços em 8 de outubro de 1892.( *3) e vieram a se tornar o principal meio de transporte coletivo da região, até a década de 1950, quando foram extintos.Levava-se cerca de uma hora para se deslocar do Jardim Botânico ao centro da cidade.
Esse caminho que se iniciava na Peaçaba, entre 1830 e 1880, ficou conhecido em seu trecho inicial, como Rua do Oliveira, em homenagem a José Antonio de Oliveira e Silva, um destacado dono de venda da região e não possuía o mesmo traçado atual. A rua percorria um trajeto junto ao sopé do Corcovado e ia até a desembocadura do Rio Cabeça, objetivando afastar-se das margens da lagoa que inundavam com frequência (*1). Em 1853 começou a ser aterrado e alargado pelo Comendador Carvalho Ribeiro, da Chácara da Bica (nº3), e bem depois, quando calçado, se transformou na Rua Jardim Botânico (*2), com o traçado geográfico que hoje possui. Esse ia até a Gávea, percorrendo o Caminho da Boa Vista (atualmente Marquês de São Vicente), mas próximo a Ponte de Tábuas (ponte feita de taboas, planta que abundava na região, e cujas folhas, quando secas, eram utilizadas para calçar e nivelar os caminhos (*5), conduzia a 3 variantes: a primeira subia em direção a Vista Chinesa e cognominava-se Estrada da Azinhaga da Floresta, aberta em 1857, pelo Almirante Thomas Cochrane. As outras duas, cortavam o futuro Jardim Botânico e se uniam na altura do Largo das Três Vendas, onde atualmente se inicia a Rua Major Rubens Vaz, na Praça Santos Dumont.(*1)
Nessa época a região já se tornava relativamente habitada e os caminhos que conduziam às chácaras e propriedades de menor porte, já demandavam a criação de uma malha viária que as conectasse com a rua principal, artéria do bairro que surgia e que a cada dia, atraía mais a aristocracia e visitantes nacionais e estrangeiros transformando-se num dos passeios preferidos por todos, em virtude da beleza geográfica, proporcionada pelo contraste entre a montanha e a lagoa, e também pelo clima ameno. Muitos estrangeiros, encantados com os atrativos, se estabeleceram na região e atraíram moradores do campo e da cidade, que afluíram motivados também pelos problemas de escassez de água no centro e bairros de seu entorno.
Em 1850, já margeando esse caminho ou rua, do lado direito, encontrava-se a Chácara do Padeiro depois dos Lages (nº 5). Em 1876, A Chácara da Fortaleza (nº 2) unia duas casas que foram as primeiras da rua Jardim Botânico (*1). Anos depois na Chácara nº 6, ergueu-se a Fábrica de Tecidos Corcovado (1889). Um pouco mais a frente, via-se, ao alto, a Capela N. Sra da Cabeça, edificada entre 1603 e 1607. Seguindo-se, passava-se então por uma pequena ponte de madeira, sobre o Rio Cabeça e logo a seguir a Ponte de Tábuas, construída posteriormente sobre o Rio do Macaco e chegava-se ao portão de entrada da Fábrica de Pólvora e do Horto Real. Mais adiante, avistava-se a Casa Grande do antigo Engenho N. Sra. da Conceição da Lagoa. (atual Centro de Visitantes do Jardim Botânico do Rio de Janeiro)
Do lado esquerdo desta rua, havia a Lagoa, com sua vegetação de manguezais, que lentamente foi sendo retirada e a região pantanosa soterrada, principalmente em virtude das inundações da lagoa, o que ocasionou a mudança de traçado original e obras de saneamento.(séculos XIX – 1880 e XX). Em Planta da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Barão de Teffé, datada de 1880, encontram-se a Chácara da Bica de nº 61, posteriormente registrada no nº 3, depois a Chácara de Chico das Freiras.
Com o passar dos anos, as margens da Lagoa foram sendo ampliadas . Diversos residências e hotéis foram inaugurados ao longo da rua em fins deste século. O Hotel Orleans (Rua JB nº 5), o Hotel do Jardim Botânico” (Rua JB nº 7), o Hotel Londres, o Chalet Campestre Restaurante (Rua JB nº 25), em frente ao portão do Jardim. (*4) ,o Hotel Amaral (Chácara 23 – JB esquina com Rua da Boa Vista, hoje Marquês de São Vicente) e o Hotel de L’Etoile Du Sud. Os passeios campestres entraram em moda o e Jardim Botânico tornou-se um dos locais preferidos para esse fim. Surgiram também restaurantes, clubes e associações, como a Sociedade Dramática da Gávea que prestigiada com a presença de D.Pedro II e da Imperatriz D. Thereza Christina. (*5). Casas, chácaras e sítios começaram a ser ofertadas para aluguel.O Jardim Botânico, aberto à visitação pública em 1828, tornou-se o local predileto da burguesia e da aristocracia para reuniões sociais , piqueniques e passeios. Nos finais de semana, a população mais modesta usava a rua Jardim Botânico para se divertir ao som de bandas de músicas e a aristocracia frequentava os restaurantes e hotéis campestres situados nessa mesma rua.
No início do século XX, quase em frente Chácara nº 4 (Chácara dos Lages), surgiu em 1920 o majestoso Solar Monjope (demolido em 1973). Entre 1926 e 1931, em frente ao Jardim Botânico, havia uma área ocupada com vegetação de mangue e de espécies amazônicas, que foi finalizada para abrigar o prado de corridas do Jóquei Clube (1926) na administração de Pacheco Leão.
O século XX trouxe mais aterramentos, especulação imobiliária e viu o bairro se transformar de área rural para urbana. A expansão do transporte coletivo, com várias linhas de ônibus, associada à implantação dos sistemas de água e esgotos, energia elétrica contribuiu de forma substancial para mudar o panorama da rua e do bairro, ocasionando mudanças físicas, sociais e culturais, alterando o modo de vida e o nível dos habitantes locais. Já não eram apenas os latifundiários, operários das fábricas, agricultores ou pessoas de alto poder aquisitivo que fixavam suas residências no Jardim Botânico, mas diferentes classes socioeconômicas, com predominância de uma classe média, em ascensão, que passou a interagir num mesmo espaço físico, agora mais ordenado, embora com grande mercantilização do solo.
Voltando na história, a rua originariamente de terra batida, deve ter recebido revestimento do tipo “pé de moleque”, como era comum nas estradas nos séculos XVII e XVIII e posteriormente foi forrada de paralelepípedos e finalmente foi asfaltada.
Em finais do século XIX, início do século XX, as chácaras acabaram, bem como várias residências, casas mais humildes e os hotéis foram demolidos. Surgiram belas edificações como Casa das Águias (1910), as majestosas como a Mansão Lage (1920) e o Solar Monjope (1920). Inúmeras ruas, como afluentes de um rio, foram sendo abertas, tendo a Rua Jardim Botânico como artéria principal. A história tomou seu curso. Surgiram novas edificações e mais algumas delas foram demolidas, como a Fábrica de Tecidos Corcovado, o Solar Monjope, a matriz original da Paróquia S. José, o Cinema Floresta, posteriormente Jussara e a casa do ilustre caricaturista, J. Carlos.
Entre 1940 e 1950, vários edifícios foram construídos e novas casas foram erguidas, como a do Ministro do Tribunal de Contas, João Lyra Filho, que permanecem até os dias de hoje. Entretanto, até 1951 e 1955 alguns terrenos “baldios” ainda existiam, como o grande terreno, onde veio a ser construído em 1952, o Hospital dos Bancários, hoje Hospital da Lagoa e que por alguns tempo abrigou um acampamento cigano. Em frente ao esse, outro terreno possuía nessa época um barraco, onde morava um mendigo, chamado pela garotada de “papa-ôvo” e que veio a ser ocupado pelo maior posto de gasolina do bairro. O posto Shell, que foi demolido em 2012.
A rua ostentou também, a partir de 1950, vários estabelecimentos comerciais como a Casa Touro, a Casa Lindóia de Tecidos, a Farmácia de Sr. Pedro, o Bazar Ideal, o Instituto Souza Leão, o Carioca Esportes Clube entre outros, que já não existem mais e foram substituídos por outros tipos de comércio.
Ao longo dos anos, chegaram também os prédios de relevantes serviços comunitários como o a Igreja Metodista (1907), o Hospital da Lagoa (1952), a ABBR (1954), o Centro Espírita Aliança do Divino Pastor (1960) e vários edifícios empresariais, comerciais e residenciais que marcaram o início da verticalização.
Após o surgimento dos Túneis Rebouças, em outubro de 1967 e Zuzu Angel, em junho de 1971, a rua Jardim Botânico tornou-se um eixo viário de grande fluxo de transito, ligando a zona norte a zona sul da cidade e essa à zona oeste. Muito do encanto se desvaneceu, através da transfiguração de casas centenárias em edifícios de concreto e mais recentemente prédios espelhados, cercados por grades de alumínio. Poucos exemplares da arquitetura pretérita, foram preservados, através de tombamentos.
Prospecções arqueológicas (2012) encontraram objetos do século XIX, na esquina da Rua JB com Saturnino de Brito e vestígios da garagem da Fábrica de Tecidos Corcovado na esquina da Conde Afonso Celso. O presente evidenciava o passado mais remoto. Da ocupação indígena dos tupinambás ao século XXI, esse caminho presenciou a história local.
A rua Jardim Botânico, testemunha o passado, absorve o presente e aguarda o futuro, pois é a partir dela que escoa o tempo, desde seus primórdios e especialmente, a partir de 1575, nesta capitania do Engenho d’El Rei, que coube a Antonio Salema povoar.
Pesquisa realizada por Ana Cristina Pereira Vieira, museóloga e moradora do bairro.
Fontes:
*1 – BARATA, Carlos Eduardo, GASPAR Claudia Braga. A Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigues de Freitas na formação do Jardim Botânico, Ipanema, Lagoa e Fonte da Saudade. Biblioteca Rio 450. Publicação oficial. Cassará Editoria. Rio de Janeiro. 2015. Pág 70.
*2 – http://portalgeo.rio.rj.gov.br/armazenzinho/web/BairrosCariocas/main_bairro.asp?area=028
*3 – http://www.museudantu.org.br/ERiodeJaneiro2.htm
*4 – Jornal do Commércio, edições de 8 de março, 9 de agosto e 7 de dezembro de 1873, in O Bairro , por Gilson Koatz, Folha do Jardim Botânico. Jornal da Associação de Moradores e Amigos do Jardim Botânico – AMAJB. Ano 1 – Nº 2, Dezembro2004/janeiro 2005, pág 8 – “ Um pouco da história pouco conhecida do nosso bairro”.
*5 – VARGAS, Celso e TAVARES, Selma. Jardim Botânico história e evolução do bairro. Coleção Bairros Cariocas. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura. Departamento Geral de Patrimônio Cultural. Rio de janeiro. 1999.
Imagens 1 e 2:
http://rio-de-janeiro-desaparecido.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html