A Figueira da Rua Faro
A qualquer um do povo é permitido…
…espernear contra os desmandos dos que exercem o Poder Público. Foi por isto que o então importante Jornal do Brasil, na capa do Caderno B de sua edição de domingo, 21 de setembro de 1980, publicou matéria de página inteira com o seguinte título: “O EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA / Uma comunidade decide acreditar na lei e salva a mais velha figueira do Rio”.
No momento em que milhões de árvores da Amazônia correm o risco de serem ceifadas e nós o de deixarmos de nos nutrir de oxigênio, a epopeia vivida pela figueira, que lá está, esplêndida, merece ser frutificada. Aos que agora chegam a esta Associação de Moradores vale lembrar que aquela não foi uma luta ecológica, mas, sim, a de proteção de um ser vivo de mais de 350 anos que, sem meios próprios de defesa, encontrou em nós uma forma de se exprimir.
O movimento que levou à criação de nossa Associação se deu numa cidade do final dos anos 1970 em que os portões dos prédios e as portas das casas eram abertas a todos. Não havia celulares, instagrams ou faces, mas de um segundo a outro, éramos todos do bairro capazes de nos mobilizar imediatamente. Havia uma mesma fibra, não ótica, mas verdadeiramente neural que nos percorria, sem vezos políticos, sem partidarismos comprometidos, sem discussões simplistas ou superficiais. A figueira levou-nos a unir, se aproximar, brindar à existência. Dela e nossa. Afinal, a única finalidade da vida (deveria) ser mais vida, não é isto? Dar a ela mais 350 anos de vida. E olha que já se passaram 38 anos desde o começo desta história…
Disse-me, certa feita, o historiador Clarival do Prado Valadares: “Uma coisa é saber da história pela narrativa dos historiadores; a outra é vê-la com os olhos que a viram”. Por isso, transcrevo aqui os três parágrafos iniciais desta matéria vista pela jornalista Cleusa Maria, do Jornal do Brasil:
“Cena comum nos bairros do Rio. Um terreno vazio, ocupado por um casebre, habitado por uma família pobre. Um dia a família parte silenciosamente e a área, imediatamente, ocupada por peões e mestre-de-obra. Só que desta vez o terreno se localizava na Rua Faro e, sobre ele, se levantava frondosa e centenária figueira. Um morador percebe a movimentação e se dirige ao local para saber o que aconteceria com a obra. A resposta: “Se quiser a figueira, pode leva-la para casa”. Depois de uma noite sem sono, preocupado com o destino da árvore, o morador, de terno e gravata, decide exercer seus direitos de cidadão em defesa de um patrimônio da comunidade.”
“Começa aí, no dia 28 de dezembro do ano passado (1979), a história da figueira da Rua Faro, no Jardim Botânico. Primeiro ameaçada de corte, depois de poda, protegida por portaria do IBDF (atual IBAMA) e, novamente sem proteção com a anulação da portaria pelo próprio órgão que a assinara, a figueira está finalmente salva. O Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural, do Município, recém-constituído, pediu o tombamento da árvore, por unanimidade. Mas todo o processo para salvar a figueira foi, nas palavras do presidente da Associação dos Moradores do Jardim Botânico, Roberto Cooper, “um exercício de democracia, perseverança, vontade e respeito aos direitos dos cidadãos”.
“Esse exercício teve início quando o morador Leonel Kaz – a associação dos moradores ainda não fora criada – vendo a figueira ameaçada de corte, se dirigiu ao Departamento de Parques e Jardins e deu entrada num processo pedindo que a figueira fosse poupada. Ali mesmo ficou sabendo que aquela dependência da Secretaria de Obras não tinha autonomia para evitar cortes e podas de árvores. No próprio departamento encontrou “outra pessoa interessada” na figueira: o representante da Construtora Marajá – contratada pela Carteira Hipotecária do Clube da Aeronáutica para construir dois prédios de cinco andares no terreno da Rua Faro – que lhe explicou que a árvore sofreria apenas uma “poda”. Dias depois, um jornal carioca publicava a primeira notícia sobre o destino que aguardava a centenária figueira. A essa altura os moradores já haviam sido contatados e toda a rua se mobilizava para salvar a árvore.”
Encurtando: demos entrada em pedidos em todas as áreas administrativas possíveis, visando criar dificuldades que evitassem, de imediato, a tal da “poda”, nome geralmente usado para a derrubada total (lembro-me que na planta do terreno apresentado pela Construtora Marajá (sic) havia alguns xis marcando, da mesma forma, a imponente figueira e alguns pés, com todo o respeito, des espada-de-são-jorge…). Entramos com recursos no Patrimônio Nacional, Estadual e Municipal, entramos com recursos na Delegacia do Bairro, demos entrada no IBDF, no Jardim Botânico e outros órgãos. Foi uma corrida de gato-e-rato: nós e os construtores. A cada tentativa de “poda”, um novo embargo. A árvore chegou a ser declarada imune de corte por sua “magnitude, porte e rara beleza” por portaria do IBDF. Inauguramos placa, fizemos uma Gincana mobilizando todo o bairro num sábado inteiro… Logo em seguida veio um novo presidente do IBDF e jogou por terra o ato do anterior. Até que o procurador da República Samuel Buzaglo deu parecer favorável ao ato de proteção porque “a manutenção da figueira envolve um interesse geral a que não escapa a de ordem pública e assim é óbvio que há de prevalecer sobre o interesse individual.”. Pouco depois, o prefeito Julio Coutinho a tombou em cerimônia no Palácio da Cidade.
O que aqui interessa: acreditar na lei vale a pena, mas não ficar de braços cruzados diante dela, esperando a graça que venha dos céus. É preciso muito esforço individual e coletivo para acionar os órgãos de governo federal, estadual ou municipal, as instâncias do executivo, do legislativo ou do judiciário de tal sorte a que aqueles cidadãos que lá estão – exercendo funções públicas pagos com os nossos salários – cumpram a sua obrigação mais comezinha: defender o interesse público. Por isso, volto ao ponto de partida. A qualquer um do povo, segundo a Constituição, é permitido botar a boca no mundo e impetrar recursos de toda ordem visando proteger o patrimônio público. Para isto, pode até existir uma Associação, como esta que se inventou naquele período. Mas você que me lê agora com seu par de olhos também pode sair a campo, com denodo, aplicação e força de vontade para atingir um desejo de todos. Desculpem-me o óbvio, mas é a existência de cada indivíduo que constrói o espírito de uma Associação, de uma Cidade ou de uma Nação.
Texto: Leonel Kaz
Relação dos ex-presidentes da AMAJB
Criação da Associação – 7 de abril de 1980
(nome e período de gestão)
1º Roberto Howard Cooper 07/04//80 a 14/12/81
2º Márcio Leal de Meireles 14/12/81 a 07/06/82
3º Zara Maria Freire Noé 07/06/82 a 13/06/83
4º Herculano Antonio Pereira da Cunha Sobrinho 13/06/83 a 11/06/84
5º Carlos Roberto Fonseca de Andrade 11/06/84 a 10/06/85
6º Paulo Roberto Sant’Anna de Abreu 10/06/85 a 09/06/86
7º Maria Cristina Silveira Leal Meirelles 09/06/86 a 08/06/87
8º Eduardo Lillas Iglesias 08/06/87 a 13/06/88
9º Regina Esther Martins de Oliveira Veiga 13/06/88 reeleita 12/06/89 a 11/06/90
10º Edson Roberto A.Miguel 11/06/90 a 22/06/91
11º Antonio Taliberti Junior 22/06/91 reeleito 10/08/92 a 19/06/93
12º Márcio Leal de Meirelles 19/06/93 a 13/06/94
13º Magaly Chede Travassos 13/06/94 reeleita 12/06/95 a 29/06/96
14º Marcos Antonio Americano 29/06/96 reeleito 28/06/97 a 28/06/98
15º Vera Lúcia Gonçalves Koatz 28/06/98 a 19/06/99
16º Emanuel Campos 19/06/99 a 18/06/2000
17º Sérgio Luiz Feijó Abreu 18/06/00 a 10/06/01
18º Gilson Dimenstein Koatz 10/06/01 a 02/06/02
19º Sérgio Luiz Feijó Abreu 02/06/02 a 01/06/03
20º Ricardo Sforza 01/06/03 a 30/05/04
21º Emanuel Campos 30/05/04 a 05/06/05
22º Claudio José de Azevedo Taulois 05/06/05 a 04/06/06
23º Evaldo de Souza Freitas 04/06/06 reeleito 02/06/07 a 13/09/08
24º Lucy Castilho da Silva 13/09/08 a 15/06/09
25º Maria Helena Pereira Nóvoa 15/06/09 a 14/06/10
26º Alfredo Pereira Piragibe Junior 14/06/10 reeleito 15/06/11 a 11/06/12
27º João Mauro Senise 11/06/12 a 26/10/13
28º Heitor Wegmann da Silva Junior 26/10/13 reeleito 2 vezes até 01/04/16
29º Mauro Pacanowski 11/06/16 a 11/06/17
30º Heitor Wegmann da Silva Junior 11/06/17 a 10/06/18
31º Rodrigo Borges Carneiro 10/06/2018 a 07/06/19
32º Heitor Wegmann da Silva Junior 15/07/19 a 26/06/2020
33º Rafaela Borges Walter Carneiro 27/06/20 a 07/2020